O avanço da toga: como o Brasil virou um parlamentarismo judicial
O Jogo e o Tabuleiro Colunas

O avanço da toga: como o Brasil virou um parlamentarismo judicial

O avanço da toga: como o Brasil virou um parlamentarismo judicial Foto: Victor Piemonte/STF

Por Victor Limeira*

Antes de começar a escrever, é preciso deixar claro, sobretudo nesse cenário tão polarizado, que este artigo, estritamente, não tem nenhuma inclinação ideológica. Seu objetivo é ampliar o debate sobre a escalada da judicialização da política brasileira e os efeitos dessa sobreposição de forças no nosso contexto geopolítico.

A prisão do ex-presidente Jair Bolsonaro escancarou o que já vinha se desenhando há tempos. Vivemos, hoje, sob o que muitos chamam de parlamentarismo judicial, um cenário em que o Poder Judiciário, sobretudo o Supremo Tribunal Federal (STF), ocupa um espaço político que antes pertencia majoritariamente ao Congresso e ao próprio Executivo.

A crescente judicialização da política brasileira não começou ontem. Para entender como chegamos até aqui, é preciso voltar algumas casinhas e revisitar os marcos dessa escalada silenciosa, que hoje gera indignação em boa parte da população, especialmente quando decisões com enorme impacto nacional são tomadas por ministros que não foram eleitos pelo voto popular, mas indicados politicamente e de forma monocrática, isto é, quando a decisão parte apenas de um ministro e não do colegiado.

O primeiro terremoto institucional do século XXI aconteceu em 2005, com o escândalo do Mensalão. Naquele momento, o STF ganhou protagonismo ao julgar e condenar figuras de altíssima relevância do governo Lula, como José Dirceu e Delúbio Soares. Pela primeira vez, a corte assumia papel de destaque em um caso de corrupção com forte impacto eleitoral e o país assistia, em rede nacional, ministros como Joaquim Barbosa se tornarem ícones. Aqui, lembro das Meninas do Jô, quadro com jornalistas no programa do eterno Jô Soares que comentava semanalmente os desdobramentos do Mensalão.

✅📲 AQUI A NOTÍCIA CHEGA PRIMEIRO: Seu novo portal de notícias de Feira de Santana e região! Entre no nosso grupo do WhatsApp e receba as principais notícias na palma da mão!

>> Siga o perfil oficial do T Notícias no Instagram para mais informações.

Anos depois, a Operação Lava Jato aprofundaria esse processo. O juiz Sérgio Moro virou símbolo de uma nova era do combate à corrupção, conduzindo a operação que desmantelou esquemas bilionários envolvendo Petrobras, Odebrecht e políticos de praticamente todos os grandes partidos. Ao seu lado, o procurador Deltan Dallagnol também ganhou projeção nacional. Moro, um juiz de 1ª instância do Paraná, foi alçado ao status de herói nacional, aclamado em manifestações populares de viés anti-petista, e foi apontado por muitos como o “futuro presidente do Brasil”. Contudo, Moro queria o STF e arriscou. Tornou-se ministro de Bolsonaro, colocando em cheque sua reputação; o resto da história todo mundo já sabe.

Por um tempo, o Judiciário se transformou no único poder que parecia ter força para agir “contra tudo e contra todos”, inclusive prendendo um ex-presidente da República. A Lava Jato empoderou não só os juízes, mas também a opinião pública, que passou a enxergar o sistema de justiça como um freio à impunidade e à velha política. O problema é que esse pêndulo começou a pesar mais do que deveria.

Com a entrada de figuras como Moro, Deltan e Witzel na política partidária, o Judiciário deixou de ser apenas árbitro para se tornar jogador. O que era para ser isento virou instrumento de disputa. Quando o STF decidiu anular as condenações de Lula por questões processuais, parte da população entendeu aquilo como reversão de justiça por conveniência política e o sentimento de desconfiança começou a crescer.

Hoje, vemos ministros como Alexandre de Moraes acumularem poderes jamais imaginados. A atuação dele em processos envolvendo fake news, ataques à democracia, investigação de parlamentares e, agora, na prisão de Bolsonaro, acendeu o alerta até entre quem antes via o Supremo como último bastião.

A própria indicação de ministros cria essa insegurança. Basta lembrar de Michelle Bolsonaro chorando e orando em línguas pela aprovação do ministro André Mendonça. Para não soar partidário, cito também o processo de nomeação do ex-governador, ex-senador e ex-ministro da Justiça Flávio Dino, que traz consigo não apenas uma carreira jurídica, mas também traços explícitos de militância política. A toga, agora, carrega também palanque.

Houve um tempo em que médicos dominavam o imaginário da política brasileira, principalmente no interior do país. Vistos como profissionais de respeito e vocacionados ao serviço público, usavam o prestígio da medicina como ponte para a vida pública. Hoje, quem ocupa esse lugar simbólico são os juízes e promotores. A confiança popular migrou das mãos que curam para as mãos que julgam. Mas, diferente dos médicos, que atuam na vida privada antes de serem políticos, os juízes carregam consigo o peso e a delicadeza de representar o sistema de justiça, e isso exige limites que, muitas vezes, estão sendo ultrapassados.

Mas, afinal, quem manda no Brasil hoje? No papel, vivemos uma democracia presidencialista com três poderes independentes e harmônicos. Na prática, vivemos uma espécie de parlamentarismo judicial, onde o Poder Judiciário arbitra, legisla, pune e determina os rumos do país, muitas vezes se sobrepondo aos demais poderes, sem mediação popular e com mandatos vitalícios.

Enquanto o Congresso debate taxações com os EUA após embates com Donald Trump, é o STF que bate o martelo sobre temas como marco temporal, reforma tributária e até censura de conteúdos na internet. O Executivo, por sua vez, se vê refém de decisões judiciais que ora impedem nomeações, ora desautorizam decretos.

A política não pode se esconder atrás da toga. A judicialização é, em parte, consequência da omissão do Legislativo e desse abismo que descamba a política brasileira. A tinta da caneta de Alexandre de Moraes e dos demais ministros precisa ter peso e regência, mas não necessariamente arbitrar sobre todos os assuntos da ordem do dia, principalmente de forma monocrática, sem anuência da corte.

O Brasil precisa retomar o equilíbrio entre os três poderes e, principalmente, garantir que decisões estruturais passem pelo crivo do voto. Afinal, a tão falada e ameaçada democracia é definida pela força das urnas. Nem com os votos impressos dos negacionistas mal perdedores, nem com a narrativa dos patriotas de Sidônio Palmeira, nem com canetas e togas de um poder dito supremo e soberano.

* Victor Limeira é jornalista, estrategista político e eleitoral.

Acompanhe nas redes sociais: Band FMJovem Pan FM e TransBrasil FM. Também estamos presentes no grupo do WhatsApp.

* Os comentários não representam a opinião do veículo de comunicação; a responsabilidade é do autor da mensagem.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *


O período de verificação do reCAPTCHA expirou. Por favor, recarregue a página.

Grupo Lomes de Comunicação Ouça a Rádio
Departamento do Ouvinte Podcast
No ar
Programação